Você sabe o que é fibrose cística?

Você sabe o que é fibrose cística?

Também conhecida como a doença do beijo salgado ou mucoviscosidade, a fibrose cística é considerada o transtorno genético grave mais comum na infância. Atinge cerca de 70 mil pessoas em todo o mundo, entre meninos e meninas, sendo hereditária, crônica e progressiva, afetando múltiplos órgãos como: pulmões, pâncreas, intestino, fígado, vesícula biliar e órgãos reprodutores. Pode levar ao aumento da morbimortalidade dos pacientes e diminuição de expectativa de vida, conforme dados da Cystic Fibrosis Foundation, organização americana sem fins lucrativos que estuda e trata o tema globalmente.

No Brasil, de acordo com o relatório produzido pelo Grupo Brasileiro de Estudos de Fibrose Cística (GBEFC), organização nacional sem fins lucrativos criada para estudar e tratar a doença em território nacional, há cerca de 3 mil pessoas que sofrem com a enfermidade, mas é possível que existam muito mais pacientes sem diagnóstico e tratamento adequados.

A fibrose cística é autossômica recessiva, ou seja, ocorre quando a pessoa herda o gene CFTR (cystic fibrosis transmembrane condutance regulator) defeituoso tanto do pai como da mãe. Se somente o pai ou somente a mãe tiverem o gene recessivo eles terão filhos sem a doença.

O gene CFTR funciona como um canal de transporte de íons de cloreto e sódio entre as membranas celulares e gera muco, suor, saliva e lágrimas. O transporte dos íons controla o movimento da água para dentro e fora das células e isso é importante para que a produção de muco seja mais fluidificada e se transporte livremente, para lubrificar e protege as vias aéreas, o trato digestivo, o trato reprodutivo, bem como outros tecidos.

Mutações no gene do CFTR localizados no cromossomo 7 alteram a função do canal de cloreto, impedindo o fluxo normal dos íons de cloreto e da água para dentro e para fora das células fazendo com que o tecido celular produza um muco anormalmente espesso que se acumula e perde sua funcionalidade, afetando pulmões, pâncreas, fígado e trato intestinal, por exemplo.

Até hoje, foram catalogadas mais de 2.000 mutações no gene do CFTR. A maioria dessas mutações alteram um aminoácido na proteína do CFTR ou deletam uma parte do DNA. A mutação mais comum é conhecida como Delta F508, que colapsa depois de ter sido feita, portanto, nunca chega à membrana celular. Dependendo das mutações, isso muda a produção, estrutura ou estabilidade do canal de cloreto, causando os sintomas da doença.

Sintomas

Devido a produção de um muco mais espesso e consequentemente menos fluido, o paciente com fibrose cística tem mais chances de infecções pulmonares e de bronquiectasias (dilatação crônica dos brônquios com catarro mucopurulento), pois o muco não consegue mais expulsar vírus e bactérias dos órgãos respiratórios. No caso do pâncreas e fígado, o paciente produz uma bile (que faz a digestão de gorduras, algumas vitaminas e proteínas) mais espessa, fazendo com que o paciente apresente dificuldade de digerir e absorver nutrientes importantes. A dificuldade de digestão faz com que o paciente tenha dificuldade de ganhar peso, evoluindo muitas vezes para desnutrições severas e esteatorreia, que são fezes com grande quantidade de gordura que não foi digerida e absorvida.

Outros sintomas comuns são:

  • Pele/suor de sabor muito salgado que ficam mais concentrados do que o suor comum;
  • Tosse persistente, muitas vezes com catarro e algumas vezes com sangue;
  • Chiados no peito ou falta de fôlego;
  • Dor de barriga, diarreia ou prisão de ventre;
  • Infertilidade pela perda de fluidez do muco vaginal e do esperma;
  • Infecções frequentes dos pulmões e seios da face;
  • Baqueteamento digital (alongamento e arredondamento na ponta dos dedos) e cianose central (paciente com tom de pele arroxeado em lábios e extremidades), presentes nas causas mais crônicas e graves onde o paciente já tem dificuldade de trocas gasosas devido as recorrentes infecções e destruição de tecido pulmonar.
Diagnóstico

A identificação de portadores da fibrose cística é feita pela triagem neonatal, Teste do Pezinho ou Teste do Suor, que é indolor e mede a concentração de sódio (sal) e cloro no suor do paciente. Valores de cloro acima de 60 mEq/L confirmam o diagnóstico em crianças.

Teste genético com amostra de sangue para avaliar a presença do defeito genético também pode ser solicitado e é indicado para famílias que tem o histórico da doença.

Tratamento

Quando o diagnóstico é feito de forma precoce com uma avaliação nutricional completa e periódica, é possível tratar a doença e evitar a morbimortalidade. Esses cuidados, desde os primeiros anos de vida são fundamentais, já que o risco nutricional e infeccioso pode acontecer em todas as idades para o paciente com fibrose cística.

É importante lembrar que o tratamento tem como objetivo amenizar problemas digestivos e pulmonares, uma vez que a doença não tem cura. É fundamental que o paciente seja acompanhado por um médico e, se possível, por uma equipe composta por profissionais de saúde de várias especialidades como pneumologista e/ou gastroenterologista, enfermeiros, psicólogos, fisioterapeutas, nutricionistas, conforme a gravidade e sintomas presentes.  Em geral, o tratamento inclui:

  • Ingestão de enzinas digestivas para a alimentação;
  • Suporte nutricional (dieta especial e vitaminas);
  • Medicamentos broncodilatadores, antibióticos profiláticos, anti-inflamatórios;
  • Moduladores do CTFR indicados para modular o funcionamento dos canais de íons. Estes são indicados após teste genético e servem para mutações específicas do gene;
  • Fisioterapia respiratória;
  • Atividade física;
  • Acompanhamento multidisciplinar frequente;
  • Em casos severos, em que o paciente atende condições físicas específicas, pode ser indicado o transplante de pulmão. O transplante não cura a doença, porém aumenta a expectativa e a qualidade de vida do paciente.

Dr. Rafael Moredo
Pediatra e membro do conselho do Trasmontano Saúde